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Impactos ambientais e a privatização na Petrobrás: qual a relação?

Gustavo Machado, pesquisador do Instituto Latino Americano de Estudos Sócio-Econômicos (ILAESE)

No presente artigo, passamos em exame os impactos ambientais oriundos da atividade da Petrobrás e sua correlação com o processo de privatização em curso. Antes, contudo, de examinarmos os dados ambientais da Empresa, é fundamental apresentarmos a magnitude de sua produção. Isto porque os danos ambientais são consequência direta da atividade da empresa, sobretudo no caso de uma indústria extrativa. Evidentemente, uma empresa que multiplica sua produção, digamos, 5 ou 10 vezes em um dado período, terá um impacto ambiental equivalente a expansão de suas atividades, abstraindo, é claro, das evoluções tecnológicas que possibilitam produzir mais com um impacto menor. Este tema é importante porque nos últimos 15 anos, e sobretudo nos últimos 10 anos, praticamente não houve grande avanço na produção total da Petrobrás, principalmente no caso do petróleo.

Vejamos abaixo a variação histórica da produção total da empresa de petróleo cru e GNL, bem como de gás natural.

Como podemos ver, em 2020, a produção média de óleo, líquido de gás natural (GNL) e gás natural alcançou 2,836 milhões de barris e óleo equivalente por dia. Desde 2005, o crescimento foi de 27,92%, em sua maior parte em função do gás natural cuja produção cresceu 49,73%. Desde 2010, o crescimento total da produção bruta da Petrobrás foi de apenas 5,84%. O crescimento da produção nos últimos 15 anos, mas principalmente nos últimos 10 anos, foi tímido. O mesmo não ocorreu com os vazamentos oriundos de óleos e derivados que se multiplicaram nos últimos 2 anos, como indicamos a seguir.

Justamente nos últimos 2 anos, quando do aprofundamento sem precedentes da privatização da empresa, a situação tornou-se alarmante. Em 2019, como indica os relatórios de sustentabilidade da própria empresa, o volume vazado de petróleo e derivados registrado foi de 415,3 m³, em um total de 17 vazamentos. Em 2020, o total foi de 216,5 m³, equivalente a cerca de 1.365,5 barris oriundos de 6 vazamentos. Os impactos desta disparada nos vazamentos são significativos.

Tanto é assim que em 23/07/2019, foi celebrado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) preventivo com a Defensoria Pública do Rio de Janeiro. O motivo foi um vazamento de óleo ocorrido em 25/03/2019, na P-53, com impacto na costa dos municípios de Arraial do Cabo, Búzios e Cabo Frio. A TAC prevê o pagamento de indenização total de aproximadamente R$ 9,2 milhões a cerca 2 mil pescadores, maricultores e marisqueiras. Outro TAC conhecida como “TAC DOS AMBULANTES”, prevê o pagamento de indenizações (irrisórias) na ordem de R$ 800,00 a cerca de 250 ambulantes impactados pela ocorrência.

Ainda que os vazamentos produzidos pela atividade da Petrobrás fossem mantidos sob controle, os impactos ambientais de sua atividade ordinária são significativos. Ainda segundo o relatório de sustentabilidade da Empresa, apenas em 2020 foram emitidos 56 milhões de toneladas de gases do efeito estufa e descartados nos recursos hídricos do país 277 milhões de metros cúbicos de resíduos líquidos.

Nesse sentido, os investimentos socioambientais não são uma cortesia das empresas. Trata-se de uma compensação em função dos prejuízos que a atividade extrativa, em maior ou menor medida, necessariamente provocam no ambiente explorado. Pois bem, como indicamos a seguir, os investimentos socioambientais literalmente despencaram desde 2014.

Em 2013 foram investidos 495 milhões em projetos de natureza socioambiental. Desde então, tais investimentos despencaram, chegando a míseros 60 milhões de reais em 2017, patamar de investimentos que vem se mantendo desde então. Foram 89 milhões de reais em 2020, 61% menos que o indicador registrado em 2005, sem considerar a inflação acumulada nesses 15 anos.

Não é coincidência que os investimentos socioambientais da Petrobrás despencaram precisamente no momento em que se estabeleceu o calendário de sua privatização. A Empresa segue cada vez mais orientada para os interesses de seus acionistas – leia-se lucros e dividendos – e não mais os interesses da massa da população brasileira. Precisamente em de 2016, os ajustes nos preços passaram a ser determinados pela Petrobras de acordo com variações do dólar e do preço do petróleo no mercado internacional, em ajustes mensais. Em 03 de julho de 2017, a empresa passou a realizar ajustes a qualquer momento, diariamente se necessário. Nesse mesmo período, lado a lado com a privatização, mesmo com a maior arrecadação oriunda de preços mais elevados, os investimentos em projetos socioambientais despencaram.

Tanto é assim que, em 2019, a empresa deixou de discriminar em seu relatório de sustentabilidade os investimentos em projetos sociais e ambientais, mesclando em uma só variável: socioambiental. A queda nos investimentos de natureza social e ambiental são acompanhados da falta de transparência nas informações divulgadas.

A queda, no entanto, é ainda mais abrupta. Como dissemos, os índices que mostramos acima não levam em conta a inflação. Uma forma de mensurarmos a evolução histórica desses investimentos é confrontando-o com a receita líquida da Empresa.

Com esse critério, vemos que exceto o ano de 2010, há uma tendência de queda de longa data nos investimentos em projetos socioambientais. Os investimentos de natureza socioambiental da empresa seguem tendência de queda nos últimos 15 anos, ainda que em 2016 se verifique um salto qualitativo.

Os impactos ambientais não são oriundos unicamente da atividade direta que a Petrobrás realiza no momento, surgem também das opções de investimento da empresa que abandonou em definitivo as energias renováveis e de menor impacto ambiental.

Na contramão da história: abandono das energias renováveis e com menor impacto ambiental O Brasil possui umas das matrizes energéticas mais limpas do mundo. Por muitos anos, a Petrobrás fez investimentos em biocombustível, energia eólica e solar. Ocorre que a privatização traz, jundo dela, o desinvestimento nessas áreas, já que, por ora, o petróleo extraído do pré-sal é mais rentável. Enquanto diversos países do mundo procuram utilizar até o limite essas novas fontes de energia, a Petrobrás segue o caminho oposto. Isto ocorre justamente no momento em que as energias renováveis ganham uma nova legislação e estímulos próprios, alavancando o setor em todo o mundo. Vejamos!

Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), em 2020, a produção de biodiesel cresceu 8,7% no país, com crescimento correspondente da capacidade instalada e do consumo. Em 2017 foi criada a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), com várias medidas para estimular a produção e consumo de biocombustíveis. No início de 2018 foi estabelecido um percentual obrigatório de 10% de adição de biodiesel ao diesel, além de metas anuais de redução de emissões de gases com estímulos econômicos, como é o caso dos créditos de descarbonização (CBIOs). Não sem razão, a Petrobrás Biocombustíveis tornou-se lucrativa a partir dessa data, como indicamos a seguir.

A PBIO atingiu 1,28 bilhões de reais de faturamento precisamente em 2020, com um lucro líquido superior a 150 milhões de reais desde 2017. Isso ocorre após muitos anos de investimentos e prejuízo líquido no período de consolidação e estabelecimento da empresa que chegou a registrar um patamar de prejuízo líquido de 900 milhões de reais nos anos de 2015 e 2016.

Não se trata de um caso isolado. Em 2021 a Petrobrás fechou a venda de sua participação majoritária de 51% das ações no parque eólico Mangue Seco 2, no Rio Grande do Norte. O parque eólico foi vendido ao fundo de investimento em participações FIP Pirineus, que já era sócio da estatal no projeto com 49% de participação. Mangue Seco 2 era o último dos quatro parques eólicos que a Petrobrás possuía participação. Dessa forma, a Petrobrás abandonou em definitivo sua participação em no tipo de energia que mais cresce no país atualmente e com enorme potencial futuro.

Como é típico dos processos de privatização, não se trata unicamente de transferir a propriedade e o controle acionário de uma empresa para outra. A lógica é se apropriar dos investimentos realizados por empresas estatais para obter elevadas fatias de lucro, sem dar continuidade nos investimentos realizados. Esta dinâmica pode ser notada na própria Petrobrás, analisando a evolução dos investimentos da empresa.

Como se vê, o total investido na gigante brasileira cai de forma continuada. Trata-se agora, tão somente de se apropriar de forma privada do que foi anteriormente investido pela Estatal.

Seguindo o caminho da catástrofe

A privatização do pré-sal e das diversas unidades da Petrobrás tem como tendência a multiplicação dos acidentes no alto-mar, com impactos ambientais incomensuráveis. A prioridade, nesses casos, é o lucro rápido, com os menores investimentos possíveis. O caso é particularmente grave quando se trata de uma indústria extrativa, cujos impactos ambientais em função das negligências de todos os tipos são enormes. Corte de custos ambientais tendem a ser os primeiros cortes a serem feitos.

Um exemplo ilustrativo é a gigante de capital aberto  BP (British Petroleum), empresa multinacional sediada no Reino Unido que opera no setor de energia, sobretudo de petróleo e gás. Em 2015, a BP  chegou a um acordo com a justiça americana para pagar US$ 18,7 bilhões em indenizações pela maré negra que provocou no Golfo do México em 2010, quando se deu um acidente em uma de suas plataformas. A justiça americana ditou que o vazamento de petróleo no Golfo do México foi resultado de uma “conduta extremadamente negligente” da multinacional britânica. O desastre da plataforma Deepwater Horizon provocou a morte de 11 pessoas. Em função disso, a empresa inglesa recebeu não apenas isenções, mas, também, subsídios estatais para arcar com esse ônus. Aqui, uma vez mais, os lucros são privatizados e os prejuízos, ambientais e financeiros, socializados. O prejuízo causado, portanto, está sendo pago pelos trabalhadores ingleses. Atentar a esse desastre é importante, pois deixa claro que, de modo algum, a privatização implica maior segurança. É precisamente o contrário.

O “acidente recente”, em 2019, na unidade da VALE S.A. em Brumadinho, bem como em Mariana dois anos antes, servem de alerta para os riscos de empresas extrativas de grande porte privatizadas. A VALE foi vendida por 3 bilhões de dólares em 1998. Desde então, a empresa ganhou mais de 90 bilhões de dólares apenas em lucro líquido e cerca de metade desse montante foi transferido para a conta bancária de seus acionistas na forma de dividendos. E o crime compensa. Dois anos depois a ruptura de uma barragem com quase 300 fatalidades e impactos ambientais incomensuráveis, a VALE registrou o maior dividendo de sua história. Foram 18 bilhões de reais distribuídos aos seus acionistas. É a maior fatia de dividendos distribuídos em todas empresas privadas do Brasil, com a Petrobrás em terceiro lugar.

Como se vê, lutar contra a privatização da Petrobrás significa não apenas atender aos interesses e necessidades imediatas da massa da população do país, mas preservar de modo sustentável o ambienta no interior do qual necessariamente vivemos e dependemos.

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